A Queda do Governo Italiano e a Bolha da Cidadania Italiana

Ciao bimbi belli, hoje vamos falar sobre a queda do governo italiano e as eventuais consequências disso na nossa bolha da cidadania italiana

Vou dividir nossa live em 3 tópicos:

  1. O SISTEMA DE GOVERNO ITALIANO E SUA FRAGILIDADE
  2. OS PRINCIPAIS ATORES POLÍTICOS ATUAIS
  3. AS ELEIÇÕES DE SETEMBRO E COMO ISSO PODE NOS AFETAR
Queda do Governo Italiano

1 – O SISTEMA DE GOVERNO ITALIANO E SUA FRAGILIDADE

Antes de mais nada, quero compartilhar um número com vocês: eu cheguei aqui na Italia em 2007, há 15 anos atrás. 

E, neste período, eu vi nada menos do que 9 governos diferentes!

Basicamente um governo a cada 20 meses.

Desde governos de centro-esquerda, centro-direta, governos técnicos, governos de grande coalizão, de unità nazionale, entre outros tantos

E por que a Italia tem tantos governos assim em tão pouco tempo?

Primeiro, porque aqui na Italia vige o sistema parlamentarista que, diferente do Brasil, não tem um Presidente da República eleito pelo povo. 

Aqui funciona assim: a cada 5 anos (na teoria!) nós elegemos os deputados e senadores, que vão compor o Parlamento Italiano.

Em cada eleição, os partidos avisam aos eleitores quem será o nome escolhido para ser o primeiro ministro, caso este partido seja o vencedor das eleições.

Uma vez escolhido aquele que vai ser o primeiro ministro, também chamado de Presidente del Consiglio dei Ministri – esse se apresenta ao Presidente della Repubblica, esse último também escolhido pelo parlamento, só que a cada 7 anos, que lhe dá então o aval para criar este novo governo.

Vamos ver isso na prática: digamos que eu saia candidato a deputado pelo partido SagaTribo e a gente ganhe as eleições. Depois das comemorações, eu vou até o presidente da república que me confere o poder para criar o meu governo. 

Eu escolho então os ministros que vão compor esse meu governo e nos apresentamos ao parlamento, para receber o voto di fiducia – em português “voto de confiança”

E é aqui que a porca torce o rabo, pois o voto di fiducia é o mecanismo do sistema parlamentarista equivalente ao impeachment no sistema presidencialista.

Só que tem uma diferença: como você bem sabe, para abrir um processo de impeachment é necessário várias passagens institucionais, o que acaba sendo algo bastante difícil de acontecer.

A fiducia não.

Basta que um grupo de parlamentares demonstrem descontentamento com o governo e solicitem ao parlamento uma votação de fiducia.

Se a maioria dos parlamentares não derem a “fiducia”, ou seja “o voto de confiança” naquele governo, ele cai.

Nesse caso, o primeiro ministro vai novamente até o Presidente da República, tal qual fez quando assumiu e entrega simbolicamente o governo nas mãos dele.

Ele então chama os líderes dos principais partidos para uma consulta e verificar se existem os pressupostos para continuar com o governo atual ou então criar um novo governo.

Se ele perceber que não há maioria para a formação de um novo governo, ele tem duas opções: ou “scioglie il parlamento” e convoca novas eleições ou, caso os parlamentares concordem, escolhe outro primeiro ministro – senza “sciogliere il parlamento”.

Neste caso, temos um governo técnico, ou de grande coalizão, de unità nazionale ou outro nome chique.

Isso porque normalmente o novo primeiro ministro escolhido não é um político, mas sim um nome forte, de alguém com autoridade, como era o Mario Draghi, ex presidente do Banco Europeu e respeitado por todo mundo.

Mas, por que o governo caiu?

Queda do Governo Italiano

E aqui é importante entender porque o governo caiu e se preparem: vocês vão ficar chocados!

Caiu não foi porque o governo estava ruim, ou que Mario Draghi não estava fazendo as reformas que tinha sido encarregado de fazer.

Nada disso! 

O governo caiu por uma falta de habilidade do líder do Movimento 5 Stelle, Giuseppe Conte.

Aquele que tinha sido primeiro ministro antes do Draghi e que foi retirado do cargo por uma série de problemas, incluindo a incapacidade de resolver alguns problemas sérios, inclusive no que diz respeito à pandemia.

Deixando claro que nunca se conformou com essa sua remoção forçada, resolveu aproveitar o momento que o governo ia ao parlamento discutir e pedir o voto di confiança em relação ao plano bilionário de ajuda às famílias por causa da guerra, inflação, entre outras coisas, para tentar negociar com o Draghi benefícios para o seu partido.

Tipo assim: a gente vota a fiducia somente se vocês aceitarem discutir também esses nossos pontos aqui, e entrou um documento com algumas coisas importantes que o Movimento 5 Stelle acredita.

Aí o primeiro ministro disse que não, o momento era claro e específico: que era votar o pacote de ajuda para as famílias italianas e que entendia que, embora legítima , não era o momento.

E mais: não achava correto receber ultimato de quem quer que fosse, pois ele tinha uma agenda a cumprir e que, se o movimento 5 stelle quisesse discutir novas proposta, que o fizesse no momento apropriado, mas não naquele momento e naquela situação

Aí, meus queridos, se escancararam duas coisas:

1 – A completa falta de competência do M5S, que não era novidade depois do desastroso governo em Roma, mas que deixou claro que política não é pra amadores.

Não existe blefe na política, tem que ser sério, coerente e competente, três coisas que faltaram ao Giuseppe Conte

2 – O oportunismo político do Salvini da Lega e do Berlusconi, da Forza Italia, que vendo a porta que o M5S abriu, se aproveitaram e disseram que a partir daquele momento, não iriam mais apoiar um governo com este movimento de gente incompetente e que, se o primeiro ministro insistisse em ter o M5S no governo, eles também não iriam votar a fiducia.

Ai o M5S correu pra dizer: não gente, era brinks!

A gente nunca falou que não ia votar a fiducia e que não apoia esse governo.

A gente só queria que fôssemos ouvidos e levados em consideração.

E usaram aquela famosa frase de quem fez merda e não quer assumir:

  • Vocês distorceram tudo aquilo que dissemos….

Só que aí a merda já estava feita… 

Como Mario Draghi não é político de profissão, foi lá e se demitiu.

Deixando claro que esse joguinho de poder ele não ia participar e que achava tudo isso uma absurda falta de responsabilidade.

E, convenhamos, é uma baita falta de responsabilidade!

Ver políticos derrubando um governo que estava trabalhando apenas para se beneficiar politicamente, de olho nas próximas eleições , em um momento que o país precisa aprovar reformas urgentes para minimizar os efeitos da invasão da Russia, do aumento da inflação, dos efeitos ainda da pandemia, é realmente de se embasbacar…

O Presidente da República, Sergio Mattarella, não aceitou o pedido de demissão e pediu ao Mario Draghi que fizesse uma última tentativa de reagrupar a maioria do governo, se apresentando no parlamento e pedindo a eles, publicamente, o voto di fiducia ao governo.

E foi então que a a gente assistiu um espetáculo deprimente…

Os três partidos: M5S, Lega e Forza Itália sequer tiveram a dignidade de votar não à fiducia, escolheram “não participar do voto” e saíram do parlamento…

Até porque, pensem só o quanto pegaria mal ir lá e falar:

VOTO CONTRÁRIO ao pacote de benefícios bilionários de ajuda as famílias italianas para reduzir os custos com a energia, combustível, e demais despesas derivadas do momento atual

Imagine Matteo Salvini, Giuseppe Conte e Silvio Berlusconi saindo do parlamento e tendo que explicar aos jornalistas ali presentes o voto negativo nesse pacote de medidas, tendo os eleitores dos seus partidos assistindo a esse papelão.

Então a forma (covarde) que encontraram para não passar por isso foi abandonar a sessão e assim não ter que declarar publicamente o voto.

E foi assim, por interesses eleitoreiros e sem nenhum compromisso com a sociedade e com o povo, que vimos estes 3 partidos fazerem cair aquele que talvez tenha sido o governo mais competente que eu vi desde que cheguei pelas bandas de cá…

O Presidente da República então não viu outra saída a não ser dissolver o parlamento e convocar novas eleições, já fixadas para o dia 25 de setembro de 2022.

Muito bem, agora que vocês entenderam como funciona o sistema de governo italiano, sua eventual fragilidade, e como toda a lambança aconteceu, vamos ao segundo ponto deste nosso artigo:

2 – OS PRINCIPAIS ATORES POLÍTICOS ATUAIS

Neste momento, de acordo com as últimas pesquisas de intenção de voto, temos os seguinte quadro:

  • FRATELLI D’ITALIA (EXTREMA DIREITA) = 23,7%
  • PARTITO DEMOCRATICO (CENTRO ESQUERDA) = 22,7%
  • LEGA (EXTREMA DIREITA) = 15,4%
  • M5S (ATRAPALHADOS) = 11,9%
  • FORZA ITALIA (CENTRO DIREITA) = 7,6%

Aqui preciso fazer um adendo: toda vez que eu falo que a Lega é um partido de extrema-direita, algumas pessoas se ofendem e dizem que não é verdade.

Bom, normalmente essas pessoas não conhecem a história desse partido que, até poucos anos atrás, usava o nome completo do partido: Lega Nord per l’Indipendenza della Padania , que foi criado como partido que lutava pela independência da Padania, que pra eles seria um “país” contendo a Lombardia e o Veneto.

Também lutam contra o povo do sul da Itália, de forma bastante xenófoba; contra o governo central de Roma, usando o jargão Roma Ladrona, entre outros adjetivos muito bem delineados com… pasmem os senhores, movimentos de extrema-direita.

Não a caso, ontem o presidente do Veneto, Luca Zaia, na sua primeira declaração após saber que teremos eleições e que, pelas pesquisas, a extrema-direita vai vencer, disse que agora finalmente vamos ver a “autonomia do Veneto” se concretizar…

Então tudo indica que o próximo governo será um governo formato por partidos de extrema-direta e centro direita.

Embora meus queridos, acho e espero que vai ter angu nesse caroço aí…

Temos 3 líderes sedentos de poder e com um ego nas alturas, então ainda que eles vençam, vai ter uma guerra entre eles para definir quem será o primeiro ministro: Giorgia Meloni, do Fratelli d’Italia, Matteo Salvini, da Lega ou Silvio Berlusconi, da Forza Italia.

Lembrando que até lá pode ser que o Partido Democratico consiga chegar em primeiro lugar e atrapalhar essa ideia aí dos 3 patetas, como eu os chamo carinhosamente 🙂

Mas Fabio, por que você é contra a extrema direita?

Gente, eu sou contrário a extrema qualquer-coisa!

Extrema bebeção de água pode matar, extrema comilança pode matar, tudo que é exagerado e demais faz mal…

3 – AS ELEIÇÕES DE SETEMBRO E COMO ISSO PODE NOS AFETAR

Como eu disse, as eleições vão acontecer no dia 25 de setembro e tanto nós aqui na Italia, quando vocês aí no Brasil, que já são cidadãos italianos reconhecidos, poderão votar.

Quem é cidadão italiano inscrito no consulado italiano e estiver aqui na Italia no momento das eleições, tem até o dia 31 de julho agora, para comunicar ao consulado italiano onde é inscrito que estará aqui na Italia e quer votar aqui, ok?

Saberemos o nome dos candidatos e as eventuais listas e agrupamentos em torno do dia 20 de agosto, então até lá não adianta dizer quem serão os candidatos e o que esperar.

Assim que tudo estiver definido, eu volto aqui para fazer um vídeo específico sobre as eleições, os candidatos, como votar e, como é de praxe, vou declarar o meu voto e explicar os motivos.

E até lá aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

E a nossa bolha da cidadania? Vai ser afetada?

Mas e o que isso significa pra gente, da bolha da cidadania italiana?

Quais os impactos disso?

O primeiro impacto já vai ser sentido diretamente em setembro: quem vier pra Italia para realizar a prática, vai encontrar dificuldades nos comunes pequenos e médios – ou seja, os comunes ideais para realizar a prática de reconhecimento. 

Então a minha sugestão a vocês que estão esperando para vir pra cá é:

Adiem a viagem para o início de outubro!

Vir pra cá no meio das eleições significa que vocês sequer serão atendidos nos comunes.

Ainda mais se o oficial di stato civile também for oficial anagrafe e elettorale, então a minha recomendação é: não venham pra cá nesse período!

O segundo impacto vai ser se a extrema direita ganhar. 

Hoje mesmo, Matteo Salvini da Lega disse que a primeira coisa que vai acontecer se ele ganhar as eleições vai ser a emanação de um novo decreto sicurezza.

Lembrando que foi graças ao decreto sicurezza que ele emanou logo que se tornou Ministro dell’Interno no governo Conte I, que o prazo da conclusão da cidadania por matrimonio e dos processos de cidadania jure sanguinis nos consulados aumentou de 2 para 4 anos, sendo corrigido depois no governo do Draghi para 3 anos.

Foi naquele mesmo decreto que ele inseriu a obrigatoriedade do conhecimento de italiano B1 já no início do processo de naturalização e sabe-se Deus o que mais ele pode inventar se voltar a ser um eventual ministro ou até mesmo primeiro ministro…

Resumindo, é esse o momento que estamos vivendo: teremos novas eleições e os cenários não são assim tão favoráveis.

Pode ser que tenhamos uma reviravolta e o Partido Democratico de centro-esquerda ganhe ou até mesmo que Silvio Berlusconi de centro-direita faça um duplo twist carpado e acabe conseguindo convencer os amiguinhos da extrema direita a escolhê-lo como primeiro ministro de novo.

Embora hoje saiu uma notícia que eles teriam convencido o tio Silvio a derrubar o governo com a promessa de colocá-lo como presidente do Senado.

Enfim, desde que não seja a extrema-direita, todas as outras opções me parecem boas.

VÍDEO SOBRE A QUEDA DO GOVERNO ITALIANO

Além deste artigo, eu também fiz uma live lá no nosso canal do YouTube (já tá inscrito lá???).

Assista abaixo a íntegra do vídeo, e não esqueça de deixar o seu joinha e compartilhar com o pessoal que você conhece e sabe que o conteúdo os ajudará, combinado?

É isso meus queridos, vamos torcer para que o Universo sempre conspire a nosso favor, e que no final a gente consiga nosso lugar ao sol, podendo ter uma vida incrível, que tanto merecemos, certo?

Un caro saluto a tutti e arrivederci 🙂 

17 Comentários


    1. Caro, poderia me esclarecer uma dúvida não relacionada ao assunto do post, por favor?
      Meu passaporte italiano possui apenas prenome e sobrenome do pai (como era regra até 2010), mas no brasileiro eu tenho mais dois sobrenomes da mãe e um do marido. Terei problemas na alfândega americana com o ESTA, em razão da divergência de sobrenomes em ambos os passaportes? Não consegui nenhuma resposta a essa pergunta ainda


    2. Olá Amanda, quando você solicita o ESTA, usa os dados do passaporte italiano, então o que consta no passaporte brasileiro não é relevante 🙂


  1. Torcendo aqui para que nada mude. Pretendo ir à Italia em Novembro/2022 tirar a cidadania 🙏🏻

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  2. Parabéns pelo conteúdo Fábio.
    E os projetos das parlamentares Siragusa e Boldrini (PD e M5S, se não me engano, tradicionalmente de esquerda), que limitam a transmissão da nacionalidade ius sanguinis por determinadas gerações, tem chances de passar/virar lei?
    Obrigado.

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  3. Fábio, muito esclarecedor seu artigo, sou critico de políticos oportunistas que infelizmente são a maioria, tanto nestas paragens aqui quanto aí. Se preocupam somente com seus interesses e a população só lhe é útil por ocasião das eleições. Políticos deveriam ter prazo de validade, início e fim, ou seja, limitação de mandatos.
    Esperemos que a população italiana renove o parlamento com novas, competentes e boas pessoas politicas, preocupadas em representar bem seus eleitores.

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  4. Fábio, muito obrigada por este artigo! Esclareceu demais a situação! Estava com dificuldade de entender as reviravoltas do cenário político na Itália.

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  5. Fabio, concordo com praticamente tudo que disse. Mas não se esqueça que quem quer acabar com o Ius Sanguinis e substituir pelo Ius Solis é a esquerda, não a Lega. Lembra em 2018 quando a Laura Boldrini apresentou o projeto para substituir o Ius Sanguinis pelo Ius Culturae?
    Pois é, quem foi contra foi exatamente a Lega.

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    1. Ninguém nunca quis acabar com o jure sanguinis e tampouco substitui-lo por outro modelo, nem aqueles de ideologia de esquerda, nem de ideologia de direita.


  6. Fábio, estou adorando seu conteúdo! Parabéns! Irei em fevereiro ou março de 2023. Acredita que algo pode ser mudado até lá?

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  7. Oi Fabio! Mas no começo de outubro algo já pode ter mudado? Ou levaria um certo tempo? Estou entre ir no começo de outubro e no começo do ano que vem, janeiro. O que você recomendaria? Obrigada!

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